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D . O M inistério de J oão B atista, 3 .1 -1 2

1. Sua Primeira Aparição (3.1-6) A versão grega sugere que naqueles dias (1) João Batista “chegou” ou “apareceu”.

Lucas conta sobre o anúncio do nascimento de João e as circunstâncias do seu nascimento assim como um pouco da sua infância. Mas no Evangelho de Mateus o precursor de Jesus aparece repentinamente neste ponto. Todos os quatro Evangelhos apresentam o ministério de João Batista como a preparação da nação para o ministério de Jesus. João apareceu pregando. A palavra grega kerysso significa literalmente “ser um arauto, proclamar”.38 Ela deriva de kerux, um “arauto” que se colocava diante de um exército para transmitir as ordens de um general, ou perante uma multidão para transmitir um decreto do governante. Ele não falava por si, mas sim pelo seu superior. Ele não transmitia a sua mensagem, mas sim aquela que o seu comandante lhe tinha ordenado que proclamasse. João era o arauto de Deus, anunciando a importante notícia de que o Messias estava chegando. Exatamente assim são todos os pregadores do Evangelho instruídos para proclamar a mensagem de salvação de Deus. Isto, basicamente, é pregar. E por isso que kerysso é o verbo mais freqüente usado no Novo Testamento como sinônimo de “pregar”, e evangelizo - “evangelizar”, “anunciar boas-novas” - vem logo atrás, em segundo lugar. O lugar onde João pregava era o deserto da Judéia. Esta era uma região rochosa e acidentada entre o planalto (algo entre 750 e 990 metros acima do nível do mar), e o mar Morto (400 metros abaixo do nível do mar). Era uma região proibitiva, com despenhadeiros e precipícios, habitada principalmente por animais selvagens. W. L. Reed observa que a expressão deserto é um termo bastante indefinido. Ele diz que “é difícil obter uma tradução precisa, porque as regiões chamadas de desérticas incluem território árido e semi-árido e também desertos de areia, planaltos rochosos, terras de pastoreio

e terreno montanhoso infértil”.39 W. F. Boyd e W. L. Reed expressam a opinião de que “deserto” pode ser uma tradução melhor, pois outros termos parecem sugerir uma floresta fechada. Eles prosseguem: “Embora as traduções modernas continuem a usar ambas expressões, sem dúvida devido ao fato de que até mesmo ‘deserto’ não é uma descrição perfeita, as regiões assim descritas são algumas vezes naturalmente montanhosas, planícies onde o pasto existe depois das chuvas, e regiões onde havia população, como aquela parte do Deserto de Judá, perto do mar Morto, onde foram encontrados o mosteiro de Qumrã e os Rolos do Mar Morto”.40 Deve ser observado que muitos estudiosos pensam que João Batista era provavelmente um essênio, e pode até mesmo ter tido alguma associação com a comunidade de Qumrã. F. F. Bruce fala de modo favorável a essa idéia. Ele observa a residência de João no deserto da Judéia, seu ascetismo, seu ensino e sua prática do batismo - “Parece que a doutrina de Qumrã - mais do que o relato do Novo Testamento - concorda intimamente com o relato de Josefo sobre os ensinos do batismo de João”.41 Ele conclui: “João pode ter tido algum contato com a comunidade de Qumrã; ele pode até mesmo ter pertencido a ela durante algum tempo”.42 A palavra-chave da pregação de João Batista era Arrependei-vos (2). Existe um

pensamento muito superficial sobre o assunto do arrependimento. Normalmente, ele é definido como “sentir muito”. Mas o verbo grego significa “mudar de idéia”. O arrependimento é basicamente mental e moral, e não basicamente emocional. Ele envolve uma “mudança de idéia” com respeito ao pecado e à salvação. Ele significa renunciar ao pecado e comprometer-se com Cristo. Chamberlain afirma que “O arrependimento é a reorientação de uma personalidade, com referência a Deus e aos seus propósitos”.43 Com respeito ao significado exato aqui, Robinson escreve: “A palavra aramaica que João usava para ‘arrepender’ poderia ser literalmente traduzida como ‘converter-se’, ‘dar meia volta e retomar’; não existe segurança no caminho que os homens estão percorrendo agora”.44 Ao pregar o arrependimento, João estava fazendo eco às palavras dos profetas do

Antigo Testamento. Em um sentido muito verdadeiro, ele foi o último dessa seqüência. Ele pertencia ao antigo regime, mas ficou no limiar do novo. Sem dúvida ele estava impregnado das antigas Escrituras. Quando dizia arrependei-vos, ele poderia muito bem estar pensando nas palavras de Isaías 1.16-17 - “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos e cessai de fazer mal. Aprendei a fazer o bem”. Ou Isaías 55.7 - “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele”. Ou, ainda, Jeremias 7.3-7 - “Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras... se deveras melhorardes os vossos caminhos e as vossas obras... eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, de século em século”. Thayer diz que o substantivo metanoia quer dizer “especialmente a mudança de

idéia daqueles que começaram a detestar os seus erros e más ações, e que estão determinados a empreender um caminho melhor na vida, para que ela compreenda tanto uma admissão do pecado e a tristeza que vem através dele, como uma correção sincera, cujos sinais e efeitos são as boas obras”.45 Por que os ouvintes de João deveriam se arrepender? Porque é chegado o Reino

dos Céus. A sua pregação não era apenas ética, mas escatológica. Barnes sugere que a frase seria melhor traduzida assim: “O reino de Deus se aproxima”.46 Havia uma forte nota de urgência na conclamação de João ao arrependimento. Era quase como se ele estivesse dizendo: “E agora ou nunca!” Os acontecimentos dos anos seguintes - que culminariam na destruição de Jerusalém em 70 d.C. - justificariam o seu olhar e o seu tom de voz. Aqueles dias provaram ser os “últimos dias”, ou “os dias do Messias”, abrangendo o período entre a Sua primeira vinda e a segunda (cf. At 2.17). Mas a maioria dos judeus não se deu conta disso e sofreu as conseqüências. Somente Mateus usa a frase o Reino dos céus - literalmente “o reino celestial”.

Essa frase aparece 32 vezes neste Evangelho. Marcos e Lucas preferem “o reino de Deus”. A razão para a mudança de terminologia de Mateus é a seguinte: “No período judaístico anterior à era cristã, quando um conceito transcendente de Deus começava a vigorar, passou a ocorrer o uso do termo céu como um sinônimo para Deus”.47 Mateus, não querendo ofender os seus leitores judeus, escreveu de acordo com este costume. Quase todos os estudiosos concordam que no Novo Testamento o termo reino se

refere aos limites do governo de alguém, e não apenas “campo”. Arndt e Gingrich definem a palavra grega basileia como significando “reinado, poder real, governo, reino”.48 Eles a particularizam ainda mais da seguinte maneira: “Especialmente o reino real ou reino de Deus, é um conceito principalmente escatológico, que começou a aparecer com os profetas, foi aperfeiçoado nas passagens apocalípticas... e ensinado por Jesus”.49 Eles insistem (com toda a propriedade) que “o reino de Deus” e o “reino dos céus” significam basicamente a mesma coisa - e assim deve ser, pois eles são usados nas passagens paralelas de Lucas e Mateus - mas acrescentam: “O segundo termo pode também enfatizar a origem e a natureza celestial do reino”.50 Morison se aprofunda um pouco mais neste último pensamento, escrevendo: “A sua origem está no céu; o seu fim está no céu; o seu Rei é celestial, os seus súditos, por toda parte, são celestiais em caráter e em destino; as suas leis são celestiais; as suas instituições são celestiais; o seu próprio auge está no céu e é, na verdade, o céu; as suas instituições terrenas anseiam pela glória do céu”.51 Em anos recentes tem havido muito material escrito sobre o assunto do reino de

Deus. Alguns o identificam com a igreja, como Agostinho fez há mil e quinhentos anos. Outros, como Harnack, o tornam algo puramente subjetivo. Albert Schweitzer o imaginou em termos completamente escatológicos; isto é, como futuro. Por outro lado, C. H. Dodd o torna completamente presente, como uma “escatologia realizada”. George Ladd escreveu muitos livros úteis sobre o assunto. Em um deles, ele afirma

que “O significado primário tanto da palavra hebraica malkuth no Antigo Testamento quanto da palavra grega basileia no Novo Testamento é a posição, a autoridade e a soberania exercidas por um rei”.52 O Novo Testamento ensina que o reino é tanto presente quanto futuro, não apenas

uma coisa ou a outra. Na sua extremamente valiosa investigação da história da interpretação do reino de Deus durante os últimos cem anos, o bispo Lundstrom diz: “Para Jesus, tanto o presente quanto o futuro Reino de Deus estão lado a lado”.53 Para enfatizar o seu chamado ao arrependimento, João cita Isaías 40.3. Ele se identifica como sendo a Voz do que clama no deserto - o deserto do pecado e das necessidades espirituais do homem. Halford Luccock dá uma boa explicação quando fala da palavra deserto, utilizada por Isaías: “É uma descrição atualizada de grande parte de nosso mundo”.54 Quando João se descreve como sendo uma voz, isto está de acordo com o seu papel de arauto (cf. “pregando”, v. 1). Ele não estava falando em seu próprio nome, mas em nome de Outro. Como o precursor do Messias, a tarefa de João Batista era advertir os homens:

Preparai o caminho do Senhor. Eles deveriam construir uma estrada real por onde o seu Rei pudesse vir. Alguns poucos ouviram e prestaram atenção. Mas os líderes da nação rejeitaram a convocação divina e condenaram o seu Messias à morte. Endireitai as suas veredas indica o significado do verdadeiro arrependimento. É quando uma pessoa endireita a sua vida. O resultado foi a antecipação da era do Evangelho, na qual as pessoas são chamadas

ao arrependimento individual, e a receberem a Cristo como o Salvador. O chamado de João era ao mesmo tempo nacional e individual. Hoje em dia, ele é basicamente individual. O aparecimento de João Batista condiz com a sua missão e mensagem. Ele era um

pregador pioneiro e rude. Assim, as suas roupas e os seus alimentos eram naturais e simples. A sua única roupa era de pêlos de camelo (4), uma roupa áspera usada pelos ascéticos e pelas carpideiras. O cinto de couro mantinha a roupa no lugar. Este item é mencionado na descrição de Elias, no Antigo Testamento (2 Rs 1.8). Jesus identificou João Batista como o Elias do Novo Testamento (Mt 17.10-13). Os dois homens eram muito parecidos em sua aparência, no seu temperamento e na sua missão. O alimento de João - e esta palavra significa “comida” - consistia de gafanhotos

e mel silvestre. Alguns tentaram identificar os primeiros com vagens de uma árvore e o último com a seiva doce que brota de algumas árvores. Mas provavelmente os dois termos devam ser interpretados literalmente. Os gafanhotos eram considerados como animais “limpos” na lei dos judeus (Lv 11.22), e hoje em dia são comidos pelos árabes. Na verdade, gafanhotos desidratados podem ser comprados nos supermercados dos Estados Unidos. O termo mel provavelmente significa o “mel silvestre” (Mc 1.6) de abelhas, que era encontrado em abundância no deserto. João Batista foi um mensageiro especial durante uma época especial. J. C. Jones o

descreve como sendo “um homem rude nivelando montanhas e aterrando vales, com severidade nos olhos e veemência na voz”.55 Josefo, o historiador judeu do século I, diz que “João era um homem bom, que ordenava que os judeus exercessem a virtude e a justiça uns em relação aos outros, e a devoção em relação a Deus”.56 João criou uma tremenda agitação. Lemos que “ia ter com ele” (o verbo no tempo

imperfeito) Jerusalém, e toda a Judéia, e toda a província adjacente ao Jordão (5). O povo de Jerusalém (a uma altitude de cerca de 750 metros) tinha que descer mais de 1.100 metros até o rio Jordão, que está a quase 400 metros abaixo do nível do mar, onde deságua no Mar Morto. João pode ter batizado a cerca de oito quilômetros antes da sua foz. A ansiedade do povo em ouvir o profeta está evidenciada por sua disposição de enfrentar a longa e acidentada subida de volta pela estrada de Jericó. João batizava somente aqueles que confessavam os seus pecados (6). O texto

grego diz “expor”. Este pregador exigia que os candidatos admitissem que eram pecadores e se expusessem como tais, antes de serem batizados.

2. Sua Pregação (3.7-10) No judaísmo havia dois grupos principais, ou seitas, na época de Jesus. A primeira

era a dos fariseus (7). O nome parece derivar da palavra hebraicaparash, “aquele que está separado”. O famoso estudioso britânico Matthew Black é favorável ao “significado de perushim como aqueles que, no seu meticuloso cumprimento da lei e em particular nas suas leis levíticas, ‘se separavam’ das impurezas e em especial dos impuros, do ‘povo da região’ (Jam ha’ares)” T A origem dos fariseus remonta ao cativeiro na Babilônia, quando os judeus já não

tinham um templo onde adorar. Então eles foram se tornando “o povo do Livro”. A lei de Moisés se tornou o centro da vida religiosa. O estudo e o ensino da Lei se tornaram a principal tarefa dos líderes religiosos (cf. Ne 8.1-8). Durante o período Macabeu, os Hasidim, ou “devotos”, procuraram manter a pureza da religião judaica contra as invasões do helenismo pagão. Desse movimento de leigos “puritanos” surgiram os fariseus. Josefo diz que na época de Herodes, o Grande, eles chegaram a totalizar mais de seis mil pessoas.58 Os saduceus eram a segunda seita principal de judeus. Eles eram o grupo sacerdotal e aristocrático. Enquanto os fariseus ensinavam nas sinagogas por todas as partes, os saduceus mantinham o controle do templo de Jerusalém (cf. At 4.1; 5.17). E comum pensar que a palavra deriva de Zadoque. Ele foi indicado sumo sacerdote

por Salomão (1 Rs 2.35), em substituição a Abiatar, que tinha se unido à rebelião de Adonias (1 Rs 1.7). Assim, Zadoque se tornou o ancestral de uma sucessão de sacerdotes em Jerusalém. Na visão que Ezequiel teve do novo templo são “os filhos de Zadoque” que podem “se chegar” ao Senhor para o servir (Ez 40.46). Rejeitando teorias de uma origem anterior, Sundberg diz que “é mais provável que

os saduceus tenham surgido como um grupo resultante da rebelião dos macabeus”.59 A primeira menção a eles aparece na época de João Hircano (135-104 a.C.). Josefo escreve: “Havia um Jônatas, um grande amigo de Hircano, mas da seita dos saduceus, cujas noções eram bastante contrárias àquelas dos fariseus”.60 O contraste que Josefo traça entre as crenças dessas duas seitas61 está em perfeito acordo com o que se afirma no Novo Testamento.62 E importante notar que enquanto os fariseus são mencionados 100 vezes no Novo

Testamento,63 a palavra saduceus aparece apenas 14 vezes.64 Josefo afirma que os fariseus eram muito mais populares entre o povo.65 Após a destruição final do Templo de Jerusalém em 70 d.C., os saduceus desapareceram da história. O judaísmo que sobreviveu foi o dos fariseus. João Batista tinha severas palavras de advertência para os fariseus e os saduceus

que vinham ao seu batismo. Ele os chamava de raça de víboras. Isso parece uma linguagem áspera. Mas na verdade era uma análise de caráter. Morison expressa muito bem as implicações através das seguintes palavras:

Ele enxergava o interior deles de uma maneira impossível para os homens

comuns, e lia o que estava no âmago dos seus corações. Ele via o elemento rastejante que perfura até o pó. Ele via o elemento moralmente insidioso. Havia veneno que eles não tinham escrúpulos de ejetar e injetar de vez em quando... ele via que existia neles um elemento de verdadeira antipatia para com o genuíno senso de humanidade.66

A imagem de víboras fugindo da ira futura (cf. 1 Ts 1.10) encontra um exemplo

vívido nesta descrição: “como um fogo do deserto onde a grama dourada e os espinhos nas regiões mais férteis irão arder por quilômetros, e os répteis impuros irão rastejar para fora das suas tocas ante o seu calor”.67 Esses orgulhosos sectários recebem a ordem: Produzi, pois, frutos dignos de

arrependimento (8) - “Façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram dos seus pecados” (NTLH). O verdadeiro arrependimento sempre se manifesta na mudança do modo de vida. João podia sentir a reação dos seus ouvintes: Temos por pai a Abraão (9). Não

precisamos nos arrepender. Somos os filhos de Abraão e desta forma somos o povo eleito de Deus. São os gentios e os pecadores que precisam de arrependimento. A resposta de João deu vida curta a este falso álibi. Ele declarou que Deus podia fazer filhos de Abraão das pedras que estavam na margem do rio.68 Ou seja, a descendência física, de que eles se orgulhavam, não significava nada perante os olhos de Deus. Tudo estava no nível material, como as pedras. O que Deus exige é o caráter moral. Jesus repudiava o raciocínio materialista dos líderes judeus nesse assunto (Jo 8.33-39). Paulo declara que aqueles que têm fé são “filhos de Abraão” e serão abençoados com o “crente Abraão” (G1 3.7,9; veja também v. 29; Rm 4.11). A afirmação de que está posto o machado à raiz das árvores (10) pode ser facilmente interpretada como significando que o machado já está atingindo as árvores junto às suas raízes. Mas a versão grega diz: “O machado repousa [keitai] junto à raiz das árvores”.69 A idéia é a do julgamento que está prestes a ocorrer. A qualquer momento o lenhador pode apanhar o machado e brandi-lo. Cada árvore que não estiver produzindo fruto é cortada e lançada ao fogo. Jesus proferiu as mesmas palavras mais tarde (7.19). O fogo, afirma Johnson, é aquele “do Geena: ‘O fogo’ no apocalipse judaico freqüentemente descreve o julgamento final” 3. Dois Batismos (3.11-12) Agora João se refere mais especificamente ao seu papel como o precursor do Messias: Aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; não sou digno de levar as suas sandálias (11). Lucas (3.16) diz: “A quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias”. Caracteristicamente, a imagem de Marcos é ainda mais vívida: “do qual

não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia das sandálias” (1.7). Atar e desatar as “correias” das “sandálias” do Mestre e carregá-las para ele - estas eram as tarefas humildes do escravo mais humilde. Porém João não se sentia digno de fazer sequer essas coisas para o Messias. “Ligthfoot (em Maimônidas) mostra que esse era o sinal de um escravo tornando-se a propriedade do seu amo, desatar seu calçado, atar o mesmo, ou levar os artigos necessários para ele no banho”.71 Assim, as palavras que aparecem nos três relatos são todas apropriadas. Então vem a afirmação mais significativa da pregação de João Batista. Enquanto ele

batizava com água (ou “na” água), Aquele que viria batizaria com o Espírito Santo e com fogo. Outras religiões batizam com água. Porém o batismo que distingue o cristianismo é o batismo com o Espírito Santo. A luz dessa afirmação de João, é difícil justificar o silêncio de grande parte das igrejas com respeito ao batismo com o Espírito Santo. Mateus e Lucas, neste pondo, acrescentam ao relato de Marcos: e com fogo. Muitos

estudiosos interpretaram isso, com forte base nos versículos 10 e 12, como uma referência ao fogo do julgamento final dos pecadores. Mas isso também significa o fogo do Espírito Santo, consumindo a natureza carnal. Alford fala da predição aqui: “Isso foi literalmente cumprido no dia de Pentecostes”.72 De maneira similar, Micklem afirma: “Ao acrescentar ‘e com fogo’ se indica a purificação como a essência do batismo do Messias”.73 Ele chama a atenção para a descrição da vinda de Cristo em Malaquias 3.2 - “Ele será como o fogo do ourives”. Brown também discorda da referência ao julgamento, afirmando: “Considerar isso

como um batismo diferente daquele do Espírito - um batismo dos impenitentes com o fogo do inferno - é excessivamente não natural”.74 Ele prossegue dizendo que “está claro que... não é nada além do caráter de fogo da operação do espírito sobre a alma - procurar, consumir, refinar, sublimar - como quase todos os bons intérpretes entendem essas palavras”.75 G. Campbell Morgan faz eco a essas palavras. Ele parafraseia as palavras do Batismo

da seguinte maneira: “Ele irá dominar você com o fogo dominador do Espírito Santo, que queima e expulsa o pecado da vida da pessoa, e a recria”.76 Particularmente intrigantes são os comentários do falecido Bispo Ryle, da igreja da

Inglaterra. Ele escreve: Nós precisamos ouvir que o perdão dos pecados não é a única coisa necessária

para a salvação. Ainda falta uma coisa; e essa é o batismo dos nossos corações pelo Espírito Santo... que nunca descansemos até que aprendamos algumas coisas pela experiência do batismo no Espírito. O batismo com água é um grande privilégio. Mas que possamos ver que também temos o batismo do Espírito Santo.77

Há pelo menos três coisas que o fogo pode fazer: 1) ele aquece; 2) ele ilumina; 3) ele

purifica. Assim, o Espírito Santo traz ao coração humano que o recebe calor, luz e purificação de todos os pecados. Airhart observa que essa grande mensagem de João a respeito de Jesus está relacionada com a doutrina cristã do batismo com o Espírito Santo: 1) por Jesus no Seu mandamento aos discípulos (At 1.4-5); 2) por Pedro, quando interpreta o significado do Pentecostes concedido aos gentios (At 11.15-16). Ele também observa que a promessa de recolher no celeiro o seu trigo (12) sugere os valores positivos do batismo com o Espírito Santo. Ele escreve: “somente os resíduos são queimados, e isso somente para que o trigo - os valores genuínos da personalidade - possa ser armazenado e colocado em uso. Existe um potencial nas nossas personalidades que somente Deus pode distinguir. Existem possibilidades de graça, talentos adormecidos, tesouros enterrados dentro da vida dos crentes, mas amplamente inúteis porque ainda estão encerrados nos resíduos de uma natureza não santificada. O batismo com o Espírito Santo irá fornecer as bases para o desempenho e a concretização dos potenciais da personalidade conhecidos pelo Espírito, e que de outro modo estariam perdidos para sempre”.78 O Messias tem na sua mão uma pá (12) - ou melhor, “uma espécie de garfo separador”

ou “crivo” (somente aqui e em Lucas 3.17). O autor viu um homem no topo de uma colina de Samaria atirar o trigo para o alto com um garfo desse tipo. O vento levou o resíduo para longe e os grãos bons ficaram depositados no solo. João declarou que Cristo queimará a palha com fogo que nunca se apagará. O

verbo composto em grego, que significa “purificar completamente”, só é encontrado aqui no Novo Testamento. A palha representa o local de separação do trigo dos resíduos, como o que se encontrava perto de cada vilarejo. Normalmente ficava situado em um lugar mais elevado, para aproveitar a brisa que sopra do Mediterrâneo. “Era curvado ■ para cima nas extremidades e pavimentado com pedras ou com a lama batida que endureceu com o passar dos séculos.”79 O trigo ou a cevada recém-colhida são empilhados ali em uma profundidade de aproximadamente cinqüenta centímetros. Então um par de bois, conduzidos por uma mulher ou por uma criança, passam um debulhador sobre estes cereais. O debulhador, com cerca de 1,20 metros de comprimento e 80 centímetros de largura tem peças dentadas de pedra ou de metal atadas ao seu fundo. Essas peças dentadas separam os grãos, ao mesmo tempo em que as patas dos bois ajudam a esmagálos. Ainda se pode ver esses debulhadores na Palestina, às vezes com dois pares de bois trabalhando em um terreno. Depois que os grãos são separados, o trigo é armazenado no celeiro - “armazém” ou

“silo” - e o resíduo é queimado com fogo que nunca se apaga. A palavra grega para algo que “nunca se apaga” é asbestos.





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