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D . A Religião dos D iscípulos, 6 .1 -3 4

1. Três Práticas Religiosas (6.1-18) (.Introdução, v. 1). Na versão King James em inglês, este versículo parece fazer parte

da discussão sobre dar esmolas, que vem a seguir (2-4). Mas os mais antigos manuscritos gregos apresentam o termo “justiça” em vez de esmolas. Isto faria do primeiro versículo uma introdução mais ampla para as três discussões seguintes sobre dar esmolas (2-4), oração (5-15) e jejum (16-18). No entanto, deve ser observado que Kraeling inclui o primeiro versículo com o parágrafo da doação de esmolas, embora aceite a leitura dos manuscritos mais antigos. Ele diz: “A doação caridosa era tão importante neste período que a palavra hebraica para ‘justiça’ adquiriu o significado de ‘dar esmolas’ ”?2 Este talvez seja o motivo pelo qual a prática de dar esmolas seja discutida primeiramente aqui. Hoje em dia a oração provavelmente receberia o primeiro lugar, e dar esmolas o último.

John Wesley, que era um cuidadoso estudante do texto grego e surpreendentemente

ciente da importância da crítica textual,43 traduziu a primeira parte deste versículo como se segue: “Atentem para não praticarem a vossa justiça perante os homens, para serem vistos por eles”. Traduções mais recentes apresentam: “Tenham cuidado para não fazerem as suas boas obras publicamente para serem notados pelo povo” (Berkeley); “Cuidado ao fazerem as suas boas ações à vista dos homens, para atraírem seus olhares” (Weymouth); “Tenham cuidado para não fazerem uma exibição de sua religião diante dos homens” (NEB); “Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de serem vistos pelos outros” (NTLH). A tradução mais simples é: “Não ostentem a sua piedade”. Jesus não disse que não deveríamos deixar que alguém visse as nossas boas obras.

Ele já havia admoestado os seus discípulos: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (5.16). E com o motivo que Ele está lidando aqui. A frase significativa é: para serdes vistos por eles. Devemos buscar a glória de Deus, não a nossa própria.

a) Dar Esmolas (6.2-4). Jesus advertiu os seus discípulos contra anunciar a sua

doação com trombetas, como fazem os hipócritas (2) em lugares públicos. Já receberam o seu galardão é uma expressão que pode ser traduzida como: “Já receberam a sua recompensa”. Os papiros provaram que o verbo apecho, que Mateus emprega, era usado regularmente nos recibos daquele período. A força plena da afirmação de Jesus é que aquele que almeja e obtém o louvor dos homens, dá virtualmente um recibo: “Totalmente pago”. Não haverá nenhum outro galardão aguardando por ele no céu.44 Algumas pessoas têm se recusado a fazer qualquer voto público, por causa da admoestação, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita (3). Mas a Bíblia também diz: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado” (Tg 4.17). Se o voto de alguém em público encorajar outra pessoa a dar, e a causa do Reino for assim aumentada, um cristão consagrado deve estar disposto a fazê-lo.

b) Oração (6.5-15). Jesus também indicou que uma oração que demonstre ostentação deve ser evitada. Os hipócritas... se comprazem em orar em pé em lugares proeminentes, para serem vistos pelos homens (5). Eles também “já.receberam o seu galardão”. O Mestre enfatizou a importância da oração em oculto (6). Um dos lugares mais sagrados em Londres é o pequeno cômodo onde John Wesley orava. Ele tem uma janela, e está do lado de fora de seu quarto em sua casa na City Road. Os visitantes têm a impressão de que o ambiente é uma rica ilustração do espírito de oração. Cristo advertiu contra o uso de vãs repetições (7) na oração. Algumas pessoas

inconscientemente repetem nomes para a Divindade diversas vezes na oração pública, até que ela se torne incômoda. Isso é uma repetição desnecessária. O nosso Pai Celestial sabe que estamos falando com Ele, e sabe o que precisamos antes de lho pedirmos (8). Portanto não precisamos ficar repetindo as nossas petições. A oração do Pai-Nosso é um modelo perfeito da simplicidade e sinceridade da petição

de Jesus. Ela também é um lindo exemplo de paralelismo poético. Impressa na forma a seguir, ela tem apenas dez linhas. Mas como são significativas!

Pai nosso, que estás nos céus, Santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, Tanto na terra como no céu.

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa-nos as nossas dívidas, Assim como nós perdoamos aos nossos devedores.

E não nos induzas à tentação, Mas livra-nos do mal.

Aquele a quem nos dirigimos - Pai Nosso (9), sugerindo uma íntima comunhão,

que estás nos céus, requerendo reverência - é seguido por seis petições. As três primeiras são pelos interesses do Reino. As outras três são pelas necessidades pessoais. A ordem é muito significativa. As necessidades do Reino devem sempre ter prioridade sobre todas as outras coisas. Na verdade a oração começa, como todas as orações deveriam, com adoração: Santificado seja o teu nome. O texto grego diz: “Permita que teu nome seja santificado”. Esta é uma petição desafiadora: Permita que o teu santo nome seja santificado através da minha vida hoje, à medida que eu, sendo portador do nome de Cristo, vivo a vida de uma maneira semelhante à dele. A segunda petição é: Venha o teu reino (10). Isto deve ter precedência sobre os

interesses pessoais. George Ladd diz: “Esta oração é uma petição para Deus reinar, para manifestar a sua soberania e poder majestosos, para colocar em fuga todo inimigo da justiça e de seus preceitos divinos, e que só Deus possa ser o Rei sobre o mundo inteiro”.45 Mas esta petição também está relacionada à evangelização mundial. Pois é particularmente na salvação das almas que vem o reino de Deus. A terceira petição: Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu, foi

ecoada por Jesus no jardim do Getsêmani (Lc 22.42). Não há maior oração que se possa oferecer. Devemos torná-la pessoal: Seja feita a tua vontade primeiro em meu coração, assim como ela é feita no céu. A quarta petição é a primeira a expressar uma necessidade pessoal: O pão nosso de

cada dia dá-nos hoje (11). O sustento físico não deve vir em primeiro lugar; mas ele tem o seu lugar no devido tempo. Deus está interessado nas nossas necessidades pessoais, e Ele quer que as coloquemos diante dele em oração. Ele prometeu suprir as nossas necessidades materiais, desde que coloquemos o seu reino em primeiro lugar (v. 33). O significado exato das palavras de cada dia (encontrado somente na oração do Pai-Nosso) é incerto. A palavra grega epiousion tem sido traduzida como “o necessário para a existência”, “para o dia de hoje”, “para amanhã”, “para o futuro”. A expressão de cada dia é melhor. Uma necessidade mais urgente é o perdão: Perdoa-nos as nossas dívidas, assim

como nós perdoamos aos nossos devedores (12). Aquele que carrega um espírito que não perdoa os outros deve parar antes de oferecer esta oração. Suponha que Deus o tome por sua palavra; que esperança haveria para ele? A versão de Lucas da oração do Pai-Nosso apresenta “pecados” em vez de “dívidas”.46 Todo ser humano está em dívida, pois “todos pecaram” (Rm 3.23). (Veja a exposição sobre Lucas 11.4.)

A última petição é: E não nos induzas à tentação, mas livra-nos do mal (13) ou “do maligno”. Tentação pode ser “provação”; a palavra grega pode ser traduzida de ambos os modos. Morison parafraseia a petição da seguinte forma: “E não nos coloque em provação, provação severa, provação que, em virtude de sua severidade, venha a pressionar duramente o nosso estado moral”.47 Nos antigos manuscritos gregos, a oração do Pai-Nosso termina com esta petição. A

doxologia que segue - Porque teu é o Reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém! - foi acrescentada há muito tempo, provavelmente para lhe dar uma conclusão mais acabada quando recitada em público. O acréscimo foi finalmente incorporado ao texto pelos escribas. Entretanto, é melhor incluí-la quando a oração do Pai-Nosso for recitada em público. Nos dois versículos que se seguem à oração (14-15), Jesus mostrou a grande seriedade

da questão de perdoar aos outros. Aquele que se recusa a perdoar fecha a porta do céu em seu próprio rosto. Nenhum espírito que não perdoa pode entrar ali. Independentemente daquilo que for feito contra nós, devemos perdoar - completamente e para sempre.

c) Jejum (6.16-18). Outra vez os hipócritas (16) são descritos, desta vez como mostrando-se contristados, desfigurando o rosto, para que aos homens pareça que jejuam. E outra vez nos é dito que “já receberam o seu galardão”. As instruções de Jesus, colocadas em termos modernos, são as seguintes: Quando

jejuar, penteie os cabelos e lave o seu rosto. Não tenha a aparência triste para lembrar as pessoas que você está jejuando. Antes, jejue por causa do bem espiritual dos outros e de si mesmo. Observe que Jesus diz que Deus tem uma recompensa para este tipo de jejum. Sobre o valor espiritual do jejum, Pink diz o seguinte: “Quando o coração e a mente são

profundamente exercitados com relação a um assunto sério, especialmente o de um tipo solene e pesaroso, há uma indisposição para alimentar-se, e a abstinência a partir daí é uma expressão natural da nossa falta de merecimento, do nosso senso de inutilidade comparativa das coisas terrenas, e do nosso desejo de fixar a nossa atenção nas coisas do alto”.48

2. Unidade de Propósito (6.19-24) a) Um Único Tesouro (6.19-21). Jesus advertiu sobre a loucura de juntar tesouros na

terra. Tudo pode ser destruído ou perdido. Roupas caras tinham grande importância nos tesouros dos homens e mulheres orientais. A traça seria uma grande ameaça para tal riqueza; ferrugem também significa, literalmente, “comer”. Assim, isto pode se referir a vermes comendo a roupa. Naquela época também era comum para os ladrões “cavarem” (minarem, 19) as paredes de barro das casas palestinas para roubar. Mas no céu todos os nossos tesouros estão seguros (20). Jesus apresenta aqui um princípio muito significativo: onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração (21). Ao encorajar uma pessoa a contribuir para a obra do Senhor, você está ajudando a ligá-la ao céu. Até mesmo solicitar que um não-crente contribua para um projeto especial da igreja pode impulsioná-lo à salvação. Portanto, prestamos às pessoas um serviço claro quando lhes damos a chance de apresentar as suas ofertas ao Senhor. O nosso coração se encaminha para onde o nosso dinheiro se encaminha.

b) Olhos Bons (6.22-23). Jesus declarou que a candeia do corpo são os olhos. Se os

olhos forem bons, todo o corpo terá luz (22). Mas se os olhos forem maus (uma palavra forte, poneros), o corpo será tenebroso (23). O que o Mestre estava querendo dizer é que somente a unidade de propósitos, ou pureza de intenção, pode manter o ser interior iluminado com a presença de Deus. O contraste entre a luz e as trevas é um tema favorito na Bíblia, especialmente em João. Isto também desempenha um papel proeminente nos manuscritos do Mar Morto, particularmente no manuscrito intitulado “A Guerra dos Filhos da Luz Contra os Filhos das Trevas”.49

c) Um Único Mestre (6.24). Filson observa: “O versículo 24 (cf. Lc 16.23) afirma

claramente a intenção dos dois parágrafos anteriores: Deus reivindica total lealdade; o discípulo não pode dividir a sua lealdade entre Deus e as suas posses”5.0 Mamom (24) é a palavra aramaica para dinheiro ou riqueza. As três ênfases principais no capítulo 6 até este ponto são a simplicidade, a sinceridade e a unidade. Estas são virtudes básicas na vida do discipulado, como o próprio Senhor Jesus descreveu. Nenhuma parcela de habilidade ou intelectualismo sofisticados compensarão a falta delas.

3. Simplicidade de Confiança (6.25-34) O pecado que Jesus condena nesta seção é o da preocupação. Não andeis cuidadosos (25) pode ser traduzido como: “Não estejais ansiosos”. Não devemos nos preocupar com o alimento ou a roupa. A vida é mais do que o mantimento (comida). Aqui se trata tanto da existência espiritual quanto da vida material. O Mestre, então, deu o exemplo das aves do céu (26). Elas não semeiam, nem

segam, e contudo o Pai Celestial as alimenta. Quanto mais Ele cuidará de seus próprios filhos? O significado de estatura (27) é incerto. Ele pode ser traduzido como “medida de

sua vida”, “extensão da vida”, “curso da sua vida”, mas também “altura” (NEB). A palavra grega (helikia) ocorre oito vezes no Novo Testamento. Em João 9.21,23 ela significa muito claramente “idade” - “tem idade; perguntai-lho”. Mas em Lucas 19.3 ela também significa claramente “estatura”. Zaqueu tinha falta de altura, não de idade. A questão é: O que a palavra significa aqui e na passagem paralela (Lc 12.25)? Pareceria mais natural falar de acrescentar um côvado (45 centímetros) à altura de alguém do que à sua idade. Abbott-Smith dizem: “Mas o uso predominante na Septuaginta e nos papiros favorecem o antigo significado [idade] nestas passagens duvidosas”.51 O contexto aqui também favorece a “duração da vida”. Seja qual for o significado da palavra, a afirmação de Jesus é poderosa. A preocupação não pode acrescentar nada à altura, idade ou extensão da vida de uma pessoa. Deus não só alimenta as aves, mas Ele também veste os lírios do campo (28). Embora eles não trabalhem, nem fiem, contudo, nem mesmo Salomão em toda a sua

glória se vestiu como qualquer deles (29). Se Deus cuida dessa maneira das flores efêmeras - que hoje estão aqui, e que amanhã serão inexistentes (tornando-se combustível para o forno) - quanto mais Ele vestirá os seus próprios filhos (30)? Esta é uma lógica que não se pode contestar. Assim, o discípulo não deve ficar ansioso sobre o que comer, beber ou vestir (31); seu Pai Celestial sabe o que ele precisa (32).

Segue-se, então, a grande passagem sobre a mordomia: Mas buscai primeiro o

Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas (33). A ordem das petições na oração do Pai-Nosso é lembrada. Primeiro devemos buscar o Reino de Deus e a sua justiça para nós mesmos. Na verdade, o Reino de Deus é a justiça. Pink observa: “Agora, por ‘justiça de Deus’ devemos entender duas coisas: uma justiça imputada e uma justiça concedida, que é colocada em nossa conta ou crédito e que é comunicada às nossas almas”.52 Em segundo lugar, devemos buscar o Reino de Deus e a sua justiça para os outros.

Isto é, a nossa principal preocupação como discípulos do Senhor deve ser a salvação das almas e a edificação da sua igreja. Se colocarmos isto em primeiro lugar, Ele promete suprir todas as necessidades materiais. O capítulo termina com uma admoestação de encerramento, para não nos preocuparmos sobre o futuro (34). Já basta a cada dia o seu mal; isto é, problemas e cuidados que já lhe pertencem.





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