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E . Os Far iseus C ego s e O s D isc ípu los Que Enxergavam, 16.1—17.27

1. A Exigência de Um Sinal (16.1-4) Os fariseus - que eram os mestres das sinagogas - e os saduceus - que eram os

sacerdotes no templo - vieram a Jesus para o tentar (“experimentar” ou “testar”; v. 1). Geralmente, esses dois grupos eram antagônicos, tanto do ponto de vista teológico como político. Os saduceus eram partidários dos governantes romanos, enquanto os fariseus se ressentiam da sua presença. Mas os dois partidos trabalhavam juntos no Sinédrio de Jerusalém, e agora estavam unidos por uma hostilidade comum em sua oposição a Jesus. Esses líderes judeus pediram-lhe que lhes mostrasse algum sinal do céu (1).

Não tinham ficado satisfeitos com os sinais que até então o Senhor Jesus havia mostrado constantemente em seu ministério de curas. Eles rejeitavam essas curas como provas de que Ele era o Messias. Antes, exigiram que Ele apresentasse um sinal espetacular do céu, alguma coisa do outro mundo, como prova de que Ele era realmente quem afirmava ser. Nos versículos 2 e 325 encontramos uma comparação entre os sinais climáticos e os

sinais dos tempos. Essa frase, usada tão freqüentemente na literatura profética atual, só é encontrada nesta passagem no Novo Testamento.26 Ela se refere a indicações relativas àquilo que está por acontecer em assuntos mundiais. As palavras de Jesus, citadas no versículo 4, são as mesmas que se encontram em

12.39. A palavra má corresponde à mesma palavra grega traduzida como “pecadora”. Deste modo, as duas passagens são idênticas, exceto que o termo profeta (4) não consta do texto grego. Marcos registra as palavras de Jesus: “A esta geração não se dará sinal algum”

(Mc 8.12). Essa frase pode parecer conflitante com a observação de Mateus a respeito do sinal de Jonas. Mas obviamente o que Marcos está dizendo é que nenhum sinal do tipo que os líderes judeus estavam exigindo lhes seria dado (veja também os comentários sobre 12.38-42).

2. O Fermento dos Fariseus e dos Saduceus (16.5-12) Jesus novamente deixou a margem ocidental - onde havia experimentado tanto

uma grande popularidade quanto a maior oposição - e atravessou para a outra banda do lago (5). Alguém havia esquecido de providenciar pão para o grupo. Dois fatos tornavam difícil a compra de alimento no lado oriental do lago da Galiléia. Em primeiro lugar, era uma região esparsamente habitada e, em segundo lugar, era um território principalmente habitado por gentios e assim podia ser difícil encontrar alimentos “limpos”, que fossem aceitáveis aos judeus. Jesus advertiu os discípulos de que deveriam tomar cuidado com o fermento dos

fariseus e saduceus (6). Eles imediatamente pensaram que Jesus estivesse se referindo ao fato de terem se esquecido de trazer pão (7). O Mestre atribuiu essa conclusão à pequena fé que demonstravam (8), isto é, a uma falta de percepção espiritual. Sem a graça de Deus os homens se tornam materialistas incuráveis. Para contrabalançar a preocupação dos discípulos pela falta de pão, Cristo lembrou-lhes de como Ele havia alimentado mais de cinco mil pessoas com cinco pães e mais de quatro mil pessoas com sete pães (9-10). Não era do pão físico que Ele estava falando (11). Então, os discípulos entenderam que Ele estava se referindo à doutrina (“ensino”) dos fariseus e saduceus (12). Caracteristicamente, essa explicação foi acrescentada por Mateus (cf. 17.13). Ela não é encontrada em Marcos (8.13-21), o único outro livro em que esse incidente foi registrado. Os estudiosos discutiram muitas vezes sobre a possibilidade de a alimentação das

cinco mil pessoas' e também das outras quatro mil serem variações deturpadas da mesma história. Mas, provas bastante claras depõem contra essa opinião negativa. Como já observamos, a alimentação das cinco mil pessoas está registrada nos quatro Evangelhos, enquanto a de quatro mil foi descrita por Mateus e também por Marcos. No parágrafo que estamos considerando, Mateus e Marcos estão se referindo aos dois fatos anteriores. Isso nos dá seis referências do atendimento a cinco mil pessoas (Mt 14.20; 16.9; Mc 6.43; 8.19; Lc 9.17 e Jo 6.13). Em todas elas, a palavra grega para “cesto” é kophinos. Existem quatro referências à alimentação de quatro mil pessoas (Mt 15.37; 16.10; Mc 8.8,20). Em todas elas a palavra usada foi spyris. E difícil entender como alguém pode responder por esses relatos cuidadosos e consistentes a não ser por meio de um registro acurado desses dois milagres distintos. Esse é, claramente, o duplo quadro apresentado nos Evangelhos.

3. A Grande Confissão (16.13-20) Pela quarta vez Jesus se afastou das multidões a fim de instruir os seus discípulos

(cf. 14.13; 15.21, 29). Ele viajou em direção ao norte (veja o mapa), até à costa (ou partes) de Cesaréia de Filipe (13). Essa cidade havia sido construída por Filipe, filho de Herodes, o Grande, e recebeu o nome de Cesaréia em honra ao imperador reinante, Tibério César. Posteriormente, ela recebeu a designação de Filipe para distingui-la da cidade de Cesaréia na costa do Mediterrâneo, construída por Herodes e que, na época de Jesus, era a sede do governo romano na Judéia. O antigo nome grego de Cesaréia de Filipe havia sido Paneas, nome que sobreviveu até hoje como a moderna Banias. Estava localizada em um planalto rochoso debaixo das sombras do elevado monte Hermom, cujos picos ficam cobertos de neve o ano todo. Nas suas proximidades existem penhascos que ainda trazem as marcas do antigo

culto aos deuses Baal e Pan (palavra grega para “Tudo”). Era um local muito apropriado para a confissão da divindade de Jesus, e de sua identidade como o Messias longamente aguardado. Sua carreira havia chegado a um ponto crítico. M’Neile observa: “O ministério público

na Galiléia havia terminado e a jornada em direção à cruz logo seria iniciada; e Ele desejava atrair os discípulos a uma afinidade ainda maior com a sua pessoa, como jamais havia feito”.27 Era necessário que seus doze seguidores tivessem uma fé muito sólida em sua missão como o Messias, para enfrentarem um futuro que iria, rigorosamente, testá-la. Ao alcançar as proximidades de Cesaréia de Filipe, Cristo perguntou aos discípulos:

Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? Eles deram várias respostas: João Batista;... Elias,... Jeremias ou um dos profetas (14). Então Ele fez a pergunta mais importante de todas (15). Literalmente, ela seria: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu pelo grupo: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (16). Os versículos 13-16 sugerem o seguinte resumo: 1) A questão comum - Quem dizem os homens... que eu sou? 2) A questão crucial - “E vós, quem dizeis que eu sou?” 3) E a resposta confiante: Tu és o Cristo.

Marcos 8.27-30 e Lucas 9.18-21 registram essa confissão de Pedro. Mas ambos limitam a resposta a “o Cristo”. Somente Mateus acrescenta, o Filho do Deus vivo. Carr indica com propriedade a seguinte implicação: “Essa confissão não só vê em Jesus o prometido Messias como reconhece, no próprio Messias, a sua natureza divina”.28 Os líderes judeus poderiam ter aceitado um Messias humano, mas foi precisamente essa pretensão à divindade que os levou a rejeitar Jesus e a condená-lo à morte sob a acusação de blasfêmia (26.64-65). O restante dessa seção (17-20) encontra-se somente em Mateus. Jesus declarou:

Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus (17). Carne e sangue era uma expressão rabínica usada para a humanidade, fazendo um contraste com a Divindade. Somente uma revelação divina do Espírito Santo pode nos fazer conhecer realmente que Jesus é o Filho de Deus, e essa revelação nos dá uma certeza interior que não pode ser abalada. Cristo prosseguiu dizendo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha

igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (18). A palavra Pedro corresponde ao termo grego petros, que quer dizer “pedra”. O rochedo é uma petra ou “uma massa de pedra diferente de petros, que é um pedaço de pedra solta ou seixo”.29 Muitos estudiosos fazem uma objeção dizendo que só existe uma palavra em aramaico com os dois sentidos, isto é, Kepha, e que, como Jesus falou em aramaico, nesse caso não se aplica a distinção entre as duas palavras gregas. Mas nessa área de gentios que falavam grego é totalmente possível que Jesus tenha falado em grego e mudado propositadamente as palavras. M’Neile acredita que Jesus falou em aramaico, usando a palavra kepha. Ele observa

que essa palavra é do gênero feminino, e assim ela foi corretamente representada por petra, ou “rocha”. Ele entende que a palavra petros, ou “pedra”, tinha o mesmo significado, embora fosse mais apropriada para um nome de homem por ser do gênero masculino.

Ele acrescenta, entretanto: “Não se pode concluir a partir desse jogo de palavras que ‘esta rocha’ seja Pedro”, e conclui: “A referência foi feita provavelmente à verdade que o apóstolo havia proclamado, isto é, ao fato de que o Messianismo do Senhor seria como uma rocha imóvel sobre a qual a sua ‘ecclesia’ (igreja) estaria segura”.30 Acreditamos que essa interpretação seja preferível à de Cullmann, que faz de Pedro a rocha sobre a qual a igreja seria construída. Cullmann, naturalmente, está se referindo a Pedro como apóstolo e não como bispo.31 Jesus declarou: edificarei a minha Igreja. Nos Evangelhos, a palavra gregaekklesia

ocorre apenas nessa passagem e em 18.17 (duas vezes). Mas ela é encontrada cerca de vinte e quatro vezes em Atos e mais de sessenta vezes nas epístolas de Paulo. Seu significado básico é “assembléia”. Na Septuaginta, essa palavra foi usada para a “congregação” de Israel. Na época de Jesus, seu significado comum era uma reunião legal dos cidadãos livres e eleitores de uma cidade grega. No Novo Testamento, ela foi empregada três vezes com esse sentido secular (At 19.32, 39, 41). O significado literal de ekklesia é “chamados para fora”. Da mesma maneira, a igreja de Jesus Cristo é composta por pessoas “chamadas para fora”, as quais têm o especial privilégio de funcionar como uma congregação de Deus. As portas do inferno (Hades) provavelmente significam aqui os “poderes da morte”, isto é, todas as forças que se opõem a Cristo e ao seu Reino. Em grego, Hades era o lugar dos espíritos que partiram e equivale à palavra hebraica Seol. Morrison diz: “Nosso Salvador quer dizer que a sua verdadeira igreja nunca sucumbirá à morte e à destruição”.32 O que Jesus quis dizer com Eu te darei as chaves do Reino dos céus (19)? O

livro de Atos parece sugerir a resposta. Pedro usou primeiramente as chaves quando sua pregação no Pentecostes abriu as portas do Reino dos Céus aos judeus e prosélitos, e mais de três mil almas entraram em um único dia. Mais tarde ele usou as chaves para abrir a porta aos gentios na casa de Cornélio. Em um sentido real: “Cada pregador usa as chaves do reino dos céus quando proclama os termos da salvação em Cristo”.33 Mais notável ainda é a afirmação de Cristo de que tudo que Pedro ligar na terra será

ligado no céu, e tudo que for desligado na terra será desligado no céu. Qual seria o significado de ligar e desligar? M’Neile explica: “ ‘Ligar’ e ‘desligar’ parecem representar em aramaico os termos técnicos do veredicto de um professor da Lei que, baseado na força de seu conhecimento específico da tradição oral, declarou que algum ato ou coisa é ‘ligado’, isto é, proibido, ou ‘desligado’, isto é, permitido”.34 Em outras palavras, baseado nos ensinos de Jesus, Pedro daria as decisões que seriam ligadas no céu, isto é, seriam honradas por Deus. O Mestre mandou — um termo bastante forte, “mandou estritamente”—, que seus

discípulos não dissessem a ninguém que Ele era o Cristo (20). O momento ainda não era chegado. O conceito político de um reino messiânico, em que o povo acreditava, estava correndo o risco de sofrer uma revolução.

4. A Primeira Previsão da Paixão (16.21-23) Desde então, começou Jesus a mostrar aos seus discípulos (21) sugere que a

confissão de Pedro em Cesaréia de Filipe constituiu um momento crucial no ministério de Cristo, e Ele começou a revelar cada vez mais aos seus discípulos o verdadeiro propósito de sua missão na terra. Ele deveria morrer na Cruz, e dessa maneira dar aos homens a salvação. Mas essa revelação somente poderia ocorrer depois que eles tivessem reconhecido que Ele era o Messias. Quatro coisas foram incluídas nessa previsão: 1) ir a Jerusalém; 2) padecer muito dos anciãos, e dos principais sacerdotes, e dos escribas (o Sinédrio); 3) ser morto e 4) e ressuscitar ao terceiro dia. Pedro, tomando-o de parte (22) parece sugerir que o apóstolo o agarrou como se

fosse protegê-lo contra esse destino. Tem compaixão de ti corresponde à expressão grega hileos soi que pode ser traduzida como “Deus, tenha piedade de ti”, ou simplesmente, “Tenha piedade de ti”. Pedro tinha um grande coração cheio de terna afeição pelo seu Senhor. Mas nesse momento ele falou as palavras erradas. Jesus se virou - não para longe

de Pedro, mas em direção ao apóstolo - e disse: Para trás de mim, Satanás (23). A palavra Satanás significa “adversário” e ao insistir com Jesus para evitar a Cruz, Pedro estava agindo em favor do inimigo contra o propósito da divina missão de Cristo. Ele estava tentando Jesus a dar as costas, como Satanás havia tentado fazer na tentação do deserto no início do ministério público de Jesus. Mateus acrescenta (em relação a Marcos 8.33): que me serves de escândalo. A

palavra é skandalon, isto é, “escândalo”. Sem querer, Pedro estava armando uma cilada para Jesus. Compreendes significa simplesmente “pensas” ou “tem em mente”. O pensamento de Pedro era contrário ao de Deus. Nessa conversa, Pedro representa o exemplo perfeito da inconstância que caracteriza, em maior ou menor grau, todos os crentes que ainda não foram totalmente santificados. Não se tratava de uma indecisão consciente ou intencional da devoção a Cristo que contaminava Pedro, mas de um outro estado de espírito que coexistia no subconsciente e que era incompatível com a verdadeira espiritualidade do Reino. Embora tenha enxergado a verdadeira personalidade de Cristo quando disse: “Tu és o Cristo”, ele não entendia a natureza espiritual de sua condição como o Messias. Essa mesma ambivalência fica evidente não só nessa passagem de Pedro, mas em todos os discípulos e de várias maneiras, até que seus olhos se abriram e eles se tornaram mais espirituais (ajustados aos caminhos de Deus) no batismo com o Espírito Santo no Dia de Pentecostes.

5. O Preço do Discipulado (16.24-28) Uma das expressões mais significativas de Jesus (cf. 10.38; Mc 8.34; Lc 9.23; 14.27)

é encontrada no versículo 24. Não era só Cristo que deveria enfrentar a Cruz, mas também os seus discípulos. Existe todo um sermão envolvido nesse versículo. O Mestre disse: Se alguém quiser vir após mim - uma linguagem rabínica para “ser meu discípulo” - deve primeiro renunciar a si mesmo. “Renuncie-se a si mesmo” é a frase que está escrita na porta de entrada do Reino de Deus. Todo cristão deve se humilhar, renunciar aos seus pecados e negar a si próprio para entrar. Em seguida, deve tomar sobre si a sua cruz. Isso significa a morte do eu, ser crucificado com Cristo (Rm 6.6; G12.^0), isto é, uma renúncia total da vontade própria, e uma entrega à vontade de Deus. Bonhoeffer escreveu: “O discipulado significa adesão à pessoa de Jesus e, portanto, submissão à lei de Cristo, que é a lei da cruz”.85 Renuncie-se a si mesmo e tome sobre si estão no tempo aoristo e sugerem as crises da conversão e da completa consagração. Siga-me está em um tempo presente, de ação contínua, e enfatiza o compromisso que cada cristão tem de seguir a Cristo, um compromisso que deve durar a vida toda. Tudo isso está sugerindo que o único caminho para a vida é através da: 1) Renúncia

de si mesmo (regeneração); 2) Morte do “eu” (santificação total); 3) Determinação própria (Siga-me). Também ocorre a repetição desse pensamento no versículo 25 (cf. 10.39; Mc 8.35; Lc

9.24; 17.33; Jo 12.25). A única maneira de alguém salvar a sua vida é perdê-la. Depois Jesus perguntou o que aproveita ao homem ganhar o mundo todo, mas perder

a sua alma. A palavra é psyché, e é traduzida como “vida” no versículo 25 em várias versões. Talvez essa seja a melhor tradução aqui. Sobre o significado da palavra grega, Carr diz: “Psyché tem uma grande variedade de significados em grego; representava a ‘vida’ em toda a sua acepção, desde a mera existência vegetativa até a mais elevada vida intelectual”.36 Ele continua: “O cristianismo aprofundou essa concepção ao acrescentar à conotação de psyché a vida espiritual da alma em união com Cristo”.37 F. C. Grant fez a seguinte observação: “E a alma que pensa e sente e é, em geral, o princípio vivo dentro do corpo”.38 Ele pensa que tanto a palavra “alma” como “vida” são apropriadas para essa passagem. No versículo -26, John Wesley encontra um forte sermão evangelístico sobre “A Importante Questão”. Seus pontos principais são: 1) O que está implícito na expressão nhar o mundo inteiro? 2) O que está implícito em perder a sua alma? 3) O que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? A razão pela qual precisamos estar cuidadosamente atentos à questão de se perder

a vida por amor a Cristo, é poder descobrir que o Filho do Homem voltará um dia como Juiz para recompensar cada homem de acordo com as suas obras (27). A previsão de que alguns há... aqui que não irão morrer até que vejam o Filho do

Homem no seu Reino (28) tem sido interpretada de várias maneiras. Ela foi aplicada: 1) A transfiguração, que ocorre a seguir. Entretanto, todos os estudiosos atuais parecem concordar que essa não é uma interpretação correta. 2) O versículo foi aplicado à queda de Jerusalém no ano 70 d.C. O principal argumento para essa segunda interpretação é que ela está de acordo com a ênfase do julgamento do versículo 27. Mas parece que está se referindo a um Dia do Juízo, um evento posterior, que ocorrerá logo após a segunda vinda de Cristo. Levando tudo isso em consideração, seria melhor interpretar esse versículo como 3) se referindo ao Dia de Pentecostes e à rápida propagação do evangelho descrita no livro de Atos. M’Neile amplia um pouco mais essa questão. Ele escreve: “Os cristãos podem reconhecer que receberam, ou melhor, começaram a receber, o seu cumprimento no Pentecostes e que cada catástrofe ou crise subseqüente, ou demonstração do poder divino, tem representado a porta de entrada para uma nova era, um novo passo no processo eterno de seu completo cumprimento, a um clímax que está além do nosso entendimento”39. Em um sentido semelhante, Morison diz: “Não temos dúvida de que o nosso Salvador está se referindo, de forma indefinida, ao estabelecimento e à extensão de seu Reino e à manifestação de si próprio como Rei vitorioso, que teve lugar quando Jerusalém e o judaísmo, ambos totalmente corrompidos até o seu âmago, foram aniquilados”.40

6. A Transfiguração (17.1-8) Esse episódio representa uma das grandes crises da vida de Cristo. Junto com o

Batismo e a Tentação, foi um momento de grande importância espiritual, registrado nos três Evangelhos Sinóticos (cf. Mc 9.2-8; Lc 9.28-36). Ele aconteceu seis dias depois (1). Lucas 9.28 diz “quase oito dias depois”, mas não

existe nenhuma contradição aqui. Lucas está contando os dias que precederam e se seguiram ao episódio, enquanto Mateus e Marcos contam apenas os seis dias que se passaram entre os dois fatos. Depois do quê? Lucas diz “depois dessas palavras”. Isso nos leva de volta a dois

importantes itens dos capítulos anteriores: 1) A confissão da obra messiânica e da divindade de Jesus, e 2) a previsão de Cristo sobre a sua paixão. Devemos nos lembrar de que enquanto Pedro se levantou magnificamente em resposta ao desafio da pergunta do Mestre: “E vós, quem dizeis que eu sou?”, sua reação ao anúncio da Paixão foi um miserável fracasso. Ele protestou dizendo que Cristo não deveria morrer. Ele falhou, assim como todos os outros discípulos, em compreender o significado e a necessidade de um Messias sofredor. E digno de nota os três Evangelhos Sinóticos começarem seus relatos enfatizando a

semana que se passou entre a confissão e a transfiguração. G. Campbell pensa que “durante esse período houve uma sensação de desarmonia entre os discípulos e o Mestre”.41 E continua dizendo: “Aqueles seis dias devem ter sido os mais tristes da vida do Mestre; seis dias de silêncio, seis dias em que a sua solidão representou o fato supremo de sua jornada”.42 Mesmo como uma antecipação, Ele deveria caminhar sozinho para o Calvário. Qual foi o propósito da Transfiguração? Agora a resposta está clara. Ela deveria ser

uma dupla confirmação: 1) da divindade de Jesus no momento em que os três discípulos tiveram uma visão de sua glória eterna, e 2) da importância e necessidade da Paixão. Esse último ponto aparece em Lucas, onde se afirma que o tópico da conversação com os dois visitantes celestiais era a sua “morte” que deveria se cumprir em Jerusalém (Lc 9.31). A palavra grega correspondente é exodos, que significa “uma partida” (“êxodo”). Portanto, ela inclui a sua crucificação, ressurreição e ascensão, que seria o clímax de seu ministério terreno. Para a visão desse relato singular sobre a sua divindade e futura morte, Jesus escolheu os mesmos três discípulos que haviam testemunhado a cura da filha de Jairo (Mc 5.37). Mais tarde, Ele iria incluí-los em seu círculo mais íntimo - Pedro, e a Tiago, e a João (1) - no Jardim do Getsêmani. Agora Ele os havia levado a um alto monte. Embora o local tradicional da Transfiguração seja o Monte Tabor, na Planície de Esdraelom, provavelmente a melhor escolha teria sido um dos contrafortes do elevado Monte Hermom, o qual se projeta como uma sentinela solitária adornada por picos brancos na extremidade do Vale do Jordão. Esse local estaria próximo a Cesaréia de Filipe, onde Jesus se encontrava na ocasião anterior. Ali Jesus transfigurou-se (2). O termo é metamorphoo, do qual se originou a palavra metamorfose. Além da passagem semelhante encontrada em Marcos 9.2, esta palavra só é encontrada em Romanos 12.2 (“transformai-vos”) e em 2 Coríntios 3.18 (“transformados”). A transformação da aparência de Jesus foi assim descrita: O seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz. Lucas não usa a palavra “transfigurou-se”, mas descreve o que se passou quase que exatamente com as mesmas palavras. Somente ele observa que foi enquanto Jesus estava orando que a Sua aparência se alterou. Existe uma sugestão de que a nossa transfiguração espiritual ocorre em nossos momentos de oração. Os três Sinóticos mencionam a visita surpresa de Moisés e Elias, que falaram com

Jesus (3). Moisés representava a Lei, e Elias, os Profetas. Existem muitas passagens no Novo Testamento onde o Antigo Testamento é mencionado como “a lei e os profetas”.43 A implicação aqui é que o Antigo Testamento como um todo apontava em direção a Cristo e, especificamente, que tanto o Pentateuco quanto os Profetas predisseram a morte expiatória do Salvador. Este fato precioso foi mostrado através da tipologia e do simbolismo da Lei (por exemplo, dos sacrifícios), e das declarações dos profetas (por exemplo, Isaías 53). Pedro ficou tão contente com a situação que desejou prolongá-la. Ele sugeriu que os

discípulos podiam construir três tabernáculos (4) - tendas feitas com ramos de árvores - um para cada um deles: Jesus, Moisés e Elias. Podemos até simpatizar com os sentimentos do apóstolo. Era uma comunhão singular. Mas Pedro mostrou que a previsão da Paixão ainda não havia sido corretamente registrada em sua mente. Ele queria um Messias glorificado e não um Messias sofredor. Enquanto Pedro falava, uma nuvem luminosa os cobriu (5). Nesse caso, a nuvem sobre o Monte da Transfiguração tinha a finalidade de alertar os discípulos para que ouvissem a voz de Deus. Ela os lembraria da “coluna de fogo de noite” (Ex 13.22) que guiou os israelitas no deserto, assim como da glória Shekinah que habitava no Tabernáculo (Nm 9.15, 22) e no Templo (1 Rs 8.10). Foi em uma nuvem que Deus apareceu no Sinai (Ex 19.9). Da nuvem uma voz falava clara e distintamente confirmando a divindade de Jesus

- Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo... e, silenciando Pedro, disse: escutai-o.44 O problema de Pedro é que ele era rápido para falar e lento para ouvir. Infelizmente, sua tribo não desapareceu. Dominados pela visão e aterrorizados pela voz, os três discípulos caíram sobre seus

rostos (6). Isso pode sugerir que eles caíram da mesma forma que Saulo na estrada de Damasco (At 9.4) ou, mais provavelmente, que se prostraram em adoração. Nos dois casos, eles tiveram grande medo. Mas o Mestre tocou-lhes com terno consolo, convidando-os a se levantar e não ter

medo (7). Quando abriram os olhos ninguém viram, senão a Jesus (8). O valor dessa visão pode ser medido pelos seus permanentes resultados. Nenhuma experiência espiritual tem valor a não ser que seja capaz de deixar a pessoa com uma ampliada consciência da presença de Cristo. Quando os visitantes celestiais - a nuvem e a voz - desapareceram, os discípulos ficaram apenas com Jesus. Ele é a suprema necessidade de cada vida humana em todos os tempos.

7. A Questão Sobre Elias (17.9-13) Lucas observa que o episódio ocorreu no “dia seguinte”, quando voltaram da montanha (Lc 9.37). Isso implica que a Transfiguração aconteceu à noite, o que se enquadra bem nesse quadro descritivo. A afirmação de Mateus de que o rosto do Senhor resplandeceu como o sol (2) teria maior sentido se esse fato acontecesse na escuridão da noite. Ao descerem da montanha Jesus ordenou (9) ou “mandou”,45 que os três discípulos

não contassem a visão - a palavra grega significa, simplesmente, “o que foi visto” (cf. Mc 9.9) - até que Ele ressuscitasse (9). A divulgação desse fato poderia provocar um malentendido e levar a população a um levante messiânico, algo que o Messias procurava constantemente evitar. A presença de Elias no monte havia aguçado uma questão na mente dos discípulos

(10). Os escribas, ou mestres da Lei, haviam dito que a vinda de Elias precederia a do Messias. Eles baseavam o seu raciocínio em Malaquias 4.5. Se Jesus era realmente o Messias, como Pedro havia confessado em Cesaréia de Filipe, e havia sido confirmado pela voz do Pai no monte, por que Elias ainda não havia aparecido? Como uma forma de resposta, Jesus primeiramente endossou a afirmação dos

escribas. Elias iria aparecer antes do Messias e restaurar46 todas as coisas (11); isto é, ele anunciaria uma nova era na qual todas as coisas seriam finalmente restauradas em Cristo (Cl 1.16; Ef 1.9-11). Mas Jesus foi além e afirmou que “Elias” já tinha vindo e eles (o povo a quem João Batista fora enviado) lhe fizeram tudo o que quiseram, porque não o reconheceram (12). Então, Ele acrescentou: Assim farão eles também padecer o Filho do Homem. João Batista havia sido pijeso e executado, e o mesmo destino estava reservado ao Filho do Homem, o Messias. ' Mateus tinha o hábito de acrescentar explicações em pontos que poderiam parecer

obscuros em Marcos. Já vimos isso acontecer em 16.12. Aqui ele está afirmando que os discípulos então entenderam que Jesus estava falando de João Batista (13). 

8. A Cura do Menino Lunático (17.14-21)47 Pedro queria permanecer no Monte da Transfiguração, mas havia uma necessidade

desesperada no vale, logo abaixo. A mesma compaixão que levou Cristo a deixar o céu e descer a este mundo de pecado e sofrimento, agora o impelia a deixar a gloriosa companhia do topo do monte e descer até o vale para atender às necessidades de um menino e de seu pai. A maior glória de Cristo está nesse amor que resplandeceu através de sua vida.

Quando Jesus e os seus discípulos se aproximaram da multidão que parecia estar

sempre à sua espera, um ansioso suplicante se aproximou, pôs-se de joelhos diante dele (14), e imediatamente apresentou o seu pedido. Ele tinha um filho que era lunático (15). Essa palavra vem do latim luna ou “lua” e reflete a palavra grega que literalmente significa “lunático”. Em algumas versões modernas ela foi corretamente traduzida como “epilético”. Os povos daquela época pensavam que a epilepsia às vezes fosse causada pela luminosidade da lua (cf. SI 121.6 - “O sol não te molestará de dia, nem a lua, de noite”). Os ataques descritos aqui são típicos dessa doença. O pai angustiado informou a Jesus que havia trazido seu filho aos discípulos, mas

que eles não puderam curá-lo (16). O verbo usado é therapeuo, que significa “curar”. O Mestre lhes havia concedido o poder de expulsar demônios (10.8), mas por alguma razão eles foram incapazes de resolver esse caso. O profundo desapontamento que Cristo sentiu pela incapacidade de seus próprios

apóstolos está refletido nas palavras do versículo 17. Eles foram patéticos. Os discípulos haviam aprendido tão pouco com Ele! Deve ter sido com a maior severidade em sua voz que Jesus repreendeu... o

demônio que, imediatamente, saiu dele (18). O menino (pais) foi curado (therapeuo) naquele mesmo instante. E óbvio que Cristo era mais do que capaz de cuidar desse caso tão difícil. Não é de admirar que os discípulos quisessem saber porque haviam fracassado (19).

Jesus informou que era por causa da sua pequena fé (20).48 Se tivessem fé como um grão de mostarda (veja os comentários sobre 13.31-32), teriam ordenado ao monte que passasse daqui para acolá e ele teria passado. E provável que Cristo não estivesse falando literalmente sobre um monte.49 Ao mencionar este monte Ele queria dizer “essa grande dificuldade”, esse caso que era demasiado difícil para eles. Sherman Johnson observa: “A fé não move montanhas físicas através de alguma mágica, mas seus próprios triunfos são mais maravilhosos do que uma engenharia em grande escala”.50 Em uma linha semelhante, George Buttrick escreve: “A fé já removeu montanhas - poderosos impérios, seitas pagãs e a impiedade entrincheirada”.51 O versículo 20 atinge o seu clímax com essa admirável afirmação: nada vos será

impossível. Mas como isso poderia acontecer? A resposta é: “Pela fé”. Marcos, cuja descrição dessa cura é, como de costume, muito mais vívida do que consta em Mateus ou Lucas, registra que Jesus disse ao pai do menino: “Tudo é possível ao que crê” (Mc 9.23). Isso acontece porque Deus é o Todo-Poderoso, e a fé traz consigo a divina onipotência para superar os problemas humanos. O versículo 21 não consta em algumas versões modernas, porque não faz parte dos

dois manuscritos gregos mais antigos (Vaticano e Sinaítico), assim como de algumas versões antigas. Em Marcos, a primeira parte do versículo é autêntica, mas as palavras “e jejum” foram acrescentadas mais tarde. Então, o versículo todo deve ter sido transcrito por algum copista de acordo com esse mesmo paralelo em Mateus.

9. A Segunda Previsão da Paixão (17.22-23) O primeiro anúncio de que sua morte estava próxima foi feito logo depois da confissão de Pedro em Cesaréia de Filipe. Esse outro anúncio foi feito depois do segundo grande evento em sua vida, a Transfiguração. Depois da confissão e da confirmação de sua divindade e missão messiânica, Jesus deixou bem claro aos discípulos que a sua missão na terra não era se sentar em um trono, mas morrer em uma cruz. A primeira previsão (16.21) especificava que Jesus iria sofrer muitas coisas do Sinédrio

judaico em Jerusalém. A segunda acrescenta a traição - será entregue nas mãos dos homens (22). As palavras nas mãos dos homens poderiam incluir tanto Pilatos, quanto os líderes judeus. As duas previsões mencionam a morte de Jesus e a sua ressurreição ao terceiro dia (23). Mateus ainda completa este relato dizendo que os discípulos se entristeceram muito.

10. O Imposto do Templo (17.24-27) Este relato só se encontra em Mateus. Quando Jesus e seus discípulos voltaram

para casa em Cafarnaum - depois de uma considerável ausência - alguns se aproximaram de Pedro com a seguinte pergunta: O vosso mestre não paga as didracmas? (24). A palavra grega para imposto é didrachma, uma moeda grega cujo valor estava próximo ao do denário romano. A dracma dupla (aqui) tinha, aparentemente, o valor de trinta ou trinta e cinco centavos. Ela correspondia à metade de um siclo, uma quantia dedicada à manutenção do templo, e que deveria ser paga todo ano, pouco antes da Páscoa, por todo adulto judeu do sexo masculino. A base para esse imposto era o “meio siclo” prescrito como oferta ao santuário em

Êxodo 30.13. Na época de Cristo os judeus de todo o mundo tinham a obrigação de fazer esse pagamento, que tinha a aprovação do governo de Roma. Josefo cita uma carta de César a Flaccus, que dizia: “Deixe esses judeus... - que têm enviado, de acordo com seu antigo costume, o seu sagrado dinheiro a Jerusalém - fazerem-no livremente”.52 Depois da destruição de Jerusalém (70 d.C.), quando não havia mais o templo para manter, o imperador continuou a coletar esse imposto. Josefo diz: “Ele também impôs um tributo sobre os judeus, onde quer que eles estivessem, e ordenou que cada um deles levasse duas dracmas anualmente ao Capitólio, como costumavam fazer na época do templo de Jerusalém”.53 Quando Pedro entrou em casa, Jesus se lhe antecipou - “O Senhor se antecipou

respondendo aos seus pensamentos”.54 Jesus perguntou: De quem cobram os reis da terra os tributos, ou os impostos? Dos seus filhos ou dos alheios? (25). A palavra tributos está se referindo aos impostos sobre mercadorias ou as taxas sobre as pessoas (em latim, census). Dos alheios significava aqueles que não pertenciam à família do rei. Quando Pedro respondeu: dos alheios, Jesus disse: Logo, estão livres os filhos

(26). O que Ele estava querendo dizer era: “Será que Aquele a quem vós justamente chamastes de Filho de Deus terá que pagar imposto ao Templo de seu Pai?”.55 Mas Jesus tinha o hábito de pagar o imposto do Templo e isso pode ser constatado

através da resposta de Pedro: Sim (25). Então disse o Mestre: Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, - o lago da Galiléia, em frente a Cafarnaum - lança o anzol (27). Isso mostra que a pesca com “anzol e linha” era praticada naquela época, como ainda é costume atualmente nas margens desse lago. O primeiro peixe que Pedro pescou teria em sua boca uma peça de dinheiro, um estáter (em grego, stater). Esse estáter tinha o valor igual ao de um siclo, e seria suficiente para pagar o imposto do templo tanto para Pedro como para o Senhor.





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